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julho 09, 2006

Acorreu-lhe a solitude.

Os olhos doíam-lhe as incertezas dos tempos de antigamente: lembranças. Quando criança aprendeu a se esconder dos amigos, pais, lobisomen, bichos-papão. E fazia isso até hoje, velho já, ar carcomido já e para sempre. A vida poderia ter sido mais fácil se quisesse. A coluna trincava a cada movimento, mas procurou levantar-se. Aquela luz estava cegando o pouco da visão que ainda restava, precisava fechar as cortinas. Tinha agora sala, 3 quartos, cozinha, 3 banheiros, quintal com pomar e dois cachorros só para ele. O silêncio dos dias zumbia zumbindo em seus tímpanos cansados. Desde que a família partira vive assim: um pouco de leitura das bulas das medicinas, comida sempre fria e solidão com água para descer macia. Anda apoiado nas cadeiras, mesas, pilastras, paredes e costuma estar pelos cantos da casa grande demais, perdido entre a poeira e as teias de aranha, num eterno esconde-esconde. Até que toda quinta a diarista aparece, varre todos os cômodos e retira-o do sossego jogando-o em baixo do chuveiro: Hoje é dia de banho, velho imundo! A água regelada escorre-lhe pelas dobras levando-lhe o resto da dúvida sobre o fim dos dias e numa reza miúda ele clama a Deus pelo dia da sua própria partida.

9 comentários:

Anônimo disse...

Belo poema em prosa...

Anônimo disse...

Lindo, Ivã. Penetrante, de corte fugidio, como se nos distraísse do foco: anestesia.

"...e numa reza miúda ele clama a Deus pelo dia da sua própria partida."

Foda.

Ernesto Diniz
http://ernesto.naselva.com/blog

Anônimo disse...

Também tenho lido algumas bulas, creia.
Há braços!!

Anônimo disse...

, incertezas, solidões e escondidas. esperando a própria partida...

|abraços meus|

Anônimo disse...

Antes de mais nada gostaria de comentar o "beijos erótico-literários" aahahah ADOREI! Quanto ao seu texto: triste, melancólico e muito poético, principalmente quando diz: "solidão com água para descer macia". Beijos.

Anônimo disse...

passei por aqui...hehehe
:P

Claudio Eugenio Luz disse...

Fim de semestre, pura correria.Acho que só quem conhece a Bahia pode compreender algumas sutilezas nesse conto; só quem conhece algumas das sutilizas da alma poderia construir imagens tão fortes.

hábraços

Anônimo disse...

Sabe, Ivã, entendo que o fato do velho ainda conseguir a humildade de miudamente rezar, pedir a Deus por sua partida, de uma certa forma acaba por conferir-lhe o resto de esperança que ele ainda possa almejar. É triste. Mas não deixa de ser uma remissão. 1 abraço

Lua em Libra disse...

Não parta, velho-do-mundo,
não parta.
Eis que a diarista volta
e é para-sempre
dia-de-jogar-fora
sujeiras,
solidões
partidas.

Não vai, que tua
casa acolhe
teus cães,
teus silêncios
escolhem
os fundos.

Abraço, poeta. Sempre bom voltar aqui.