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fevereiro 12, 2006

Diário dos sentidos II

"In Thoughts of You" - Jack Vettriano

03 de maio de 1950

Com o tempo se conhece o desgaste do mundo. E compreende-se que o fito dos encontros é deixar esta amargura sublingual e tingir de negro o céu da boca. Toda teoria é uma burla e posso forjar a minha própria. Depois do prazer percebo o quanto seu gosto alucina-me e deixo-me inerte sob seu jugo, saboreando a beleza dos seus pêlos por sob os lençóis. É bom. Desisto então da solitude, desarrumo minhas malas e permito-me permanecer. Sua língua prende-me e pretende-me quando, assaz desejosa, percorre meus cumes, desbrava o desconhecido e abriga-se em meus relevos. Chove em mim e estas águas abluem-me manancialmente. Até que uma noite desperto-me escurecida e ouço o rumor dos seus passos em meu chão e sei serem passos de nunca mais. Então volto a perceber os insetos correndo por todos os cantos, as teias sobre os retratos e a mancha verdescurecida alastrando-se pelas paredes, velozmente. Ai sim é quando descubro: mesmo com os beijos, os carinhos, as entregas e os gozos mantive entre os dedos, seguro por instantes, não o homem, ou a esperança, mas o mistério.

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