agosto 17, 2006
Às vezes, só a procura já basta para transtornar.
Mas como todo bom andarilho,
não me importo em mudar,
até a definitividade das minhas andanças.
A construção, outra
A mobília, mesma.
Peço aos que linkaram esta página, substituir o antigo pelo novo link. Agradeço a todos.
Vejo-os todos lá.
Abçs.
julho 23, 2006
Situação
enquanto o gosto dos dias gastos
dissolve em minha saliva
mas as raízes fincadas em nuvens de zinco
O rosto é outro a distrair minhas aparências
formas frouxas flutuantes
De repente um medo, esquecido no breu dos
meus vazios, reage e assalta a minha vontade
A renegar rumores de outras solidões
na viscosidade em meus poros
{...rasos, largos...}
deixo reservada a vida
pulverizada entre mim e o infinito que lho cerca
No final
Saliento, tão somente, que ainda cabe em mim
temores, dúvidas, riscos
cabe a dor a arder, se for
cabe em mim um dia, um mundo
e só não vinga, só não me cabe o seu amor
julho 12, 2006
Um momento na civilização.
julho 09, 2006
Acorreu-lhe a solitude.

junho 30, 2006
Não entendes?
Sabes que sempre haverá um cemitério em tua memória
E às vezes é preciso visitá-lo
Acender velas e sentir o aroma das flores mortas
E às vezes abrir a porta
Abrir outro canal
E partir
Impossível estar liberto da existência.
junho 04, 2006
(Ab) Solvido
esquerda - direita.
Passear-me-á amedrontado, na manhã da sua partida, afoito, por entre sonhos que desperdiçamos sob a luz insuficiente da lâmpada seca, deitados no macio das madrugadas.
Sufocar-me-á o vômito verdoloroso quando não puder cantar-te, à rouca voz, a falta de vontade de sair dos teus laços.
{Saberei...}
Saberás o clamor das minhas extremidades no momento exato do choque, no instante em que os ruídos de fora irromperem pelas frestas e inundar-nos de pavores.
Revelar-me-á por inteiro, então, um coração franzino e sem fé, confundido entre os pêlos e as cinzas vãs que a ventania não quererá carregar.
maio 17, 2006
E n t r e c o r p o
E vasto, sacia a voracidade do meu desejo
Um corpo se enovela em mim se alimenta em mim
Arfa e me sufoca
Um corpo solto perambula por meus desertos
E minhas ruas em carne-viva
E translúcido em desesperos,
Na contra-mão das noites azuis, se revela
Ecoa forte e saliente em meu desvão
Buscando a vontade frouxa
Lassidão
Escorro por entre seus dentes
E desapareço.
maio 13, 2006
Linda!
No pequeno criado-mudo que completava o conjunto dormitório com a cama, o guarda-roupas, a cômoda e os abajures, que, por sua vez, combinavam com as cortinas cor de amanhecer, jazia uma bíblia, com as páginas abertas que bailavam ao sabor do vento que no quarto adentrava suave e refrescante como toda a brisa de outono. Dançavam as páginas como se quisessem espalhar por todo o ambiente as palavras que Linda trazia na ponta da pequena língua rosada, as palavras que, sabia ela, nenhum conforto lhe incutia. Mesmo assim Linda conservava o livro sagrado aparente sobre o móvel para, quem sabe, poder ter a impressão de que teria algum apoio em noites de insônia ou, ainda, nas de sonhos ruins. Apenas o ruído do bailar das paginas de seda, finas e paradoxalmente pesadas pelo teor das palavras gravadas, entrecortava os silêncios estendidos na infinitude do intervalo entre um pensamento e outro.
As mãos agora alisavam os pêlos que desenhavam à perfeição seu púbis e a respiração, agora mais ofegante, voltava a tornar a lâmina de vidro reflexionado numa superfície fosca. Ela olhou o teto branco no mesmo momento em que foi assaltada por um acesso de riso descompassado como os passos que começara a desempenhar em direção ao seu repouso, verdadeiro leito de Procusto*. “A culpa é sua”, repetiram os lábios umedecidos por uma língua macia, já saciada. O espelho já estava a mostrar suas belas costas, enquanto em passos curtos punha-se a caminhar. Ainda estava extasiada, olhos vidrados como que banhados por substância psico-trópica, alucinógenas lágrimas de emoção. De sobre os lençóis o indeterminado sujeito ouvinte do monólogo sobressaltou-se numa estridente gargalhada.
Linda passou as mãos em seus cabelos negros e desgrenhados, deu mais exatos cinco passos, deitou na beira da cama e desferiu um beijo com gosto de sofreguidão naqueles outros lábios sorridentes e volumosos. “A culpa é sua, por ter-me feito amar você assim” ratificou numa frase agora completa. Então, neste instante preciso lhe subiu pela planta dos pés soltos no ar um quentume que enrubesceu sua pele e eriçou a penugem do seu entreperna, enquanto suas mãos magras e acriançadas percorriam lentamente o colo dos seios de sua cunhada. Duas almas trespassadas por um desejo, um sortilégio perene e delineador de existências.
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(*) n.a.: Reza a mitologia que Procusto foi um salteador, que prendia numa cama todos os que ele capturava, cortando os pés dos coitados que passavam do tamanho do leito e esticando quando era menor, a pessoa tinha de ficar do mesmo tamanho da cama. Então dizer que alguém se deitou no leito de Procusto é dizer que quem deita na “cama do pecado”, independente da vontade, sofre as conseqüências, tenha pecado por falta ou por excesso.
maio 05, 2006
abril 29, 2006
Sombroso.
Via o real da vida escorrer por aquelas pernas e sentia a fedentina pestear o ar. Odor de morte. Tentou voltar atrás e sentiu que já não tinha como, um retorno agora seria ineficaz. As paredes, entretecidas de madeira que apodrecia mais e mais a cada nova estação, sempre oprimiram-no. Menino, cuidado, este mundo tá cheio de otário, dizia sua mãe, voz eterna em sua consciência. E agora aquilo, aquilo. A viscosidade tinha um brilho morno e não fosse a cor vibrante juraria que guardado, ali, havia algo de sublime. Sobrevivente de uma corrupção tentacular, desde o inicio degradante, pôs as mãos na cabeça, um suor desesperado corria testa a baixo. A camisa, molhada da água da chuva que chegava através da janela aberta às suas costas, grudara à sua compleição deserta. O barraco já dava sinais da inundação lenta e sofrida que chegava sem cerimônias por todas as frestas. Num dos cantos, a podridão.
Avisara que nunca tinha feito aquilo antes, que era loucura, contudo ela insistiu e fê-lo comprometer-se. Deu palavra e não seria otário de desfazer o trato, afinal a culpa pululava também em suas veias. Não demorou muito, três dias ou quatro, e ela apresentou-lhe as folhagens, ervas populares, medicina brava, não tinha mesmo como ir à farmácia, ou procurar a dona benzedeira que também era parteira de práticas gerais, tinha não. Demorou mesmo ainda para ela adentrar a baiúca com a substância já no bucho, danada a fazer efeito. Estava feito louca, dizia sentir as contrações, que sofria de dor. A dor.
Ele tinha de fazer a sua parte, o principal a garota tinha já providenciado. Não ia passar por otário. Ela chegou, jogou-se ao chão, fazia força, parecia ter aprendido cedo. Pediu para ele posicionar-se entre as suas pernas escancaradas. Ele viu que o real da vida estava ali, escorrendo da boceta para o chão. Agachou, sim, e sentia um nojo de tudo, uma repugnância quase insuportável. Quando o bolo de carne em avançado estado de composição iniciou por aparecer ele começou a puxar, ao comando dela, primeiro desajeitadamente e imediatamente em seguida, após um grito desesperado da garota, numa violência desmedida, até a completa remoção do pré-ser, arremessado para um dos cantos do único cômodo que compunha o local.
Não houve choro, alias, não fosse o intenso cair das águas sobre as telhas velhas, não se ouviria nada ali, nem um suspiro. Ela sobre uma poça sangrenta, diluída pela invasão da chuva, nem mesmo movia pestanas e parecia nem respirar, não dava para saber. Ele encostou à parede e deixou a janela às costas, inerte, lançando as mãos em baixo da água que chuviscava para dentro do barraco, na tentativa de deixá-las limpas. Inútil, já estava comprometido. Nem a dor, e principalmente esta, pôde ser limpa. Acorreu-lhe uma quentura retesada e uma vertigem tomou-lhe conta dos brios. Quatro passos e estava diante da porta, que de prontidão já era fechada atrás de si. Foi-se. O céu desabou naquela tarde, e durante a semana choveu largamente. Só ele não choveu. Nunca mais.
abril 22, 2006
Horror
Louca mortandade
Numa ponte não finita
Eu e o horizonte do seu corpo
Desconstituído
Quero outro desejo outro perigo
E me elevo até seu visgo
A porta fecha, saída não há
Vontade deitada nua na poeira da relva
Resvalar
Claustrofobia anômala da razão
Já não te encontro nem aqui
Escuridão
Crio estrada longitudinal
E num sentido só só ouço o zumbido
Meu grito...
meu grito.
abril 13, 2006
abril 04, 2006
Devaneio
Milimétricas partículas de prazer
Não me contento
Meu sexo não lamenta
Revela-se intumescido
E em toda parte me sustenta
Meu sexo me corrompe
Rompe irrompe e me transborda
Abluindo-me à completude,
Urge
Meu sexo é luz vesga que recai da imensidão
Vassalo de toques línguas e lâminas
Fino véu que recobre minha razão
Lava
Gotejo
Explosão
Meu sexo vai às profundezas
Repleto de inundações
E me separa, para
Propagar-me em milhões
Sem agruras cissuras ou tormento
Meu sexo?!
Ah meu bem
Meu sexo é seu alimento
março 27, 2006
Encantada
março 20, 2006
Diário dos Sentidos III

(Carta ao passado)
Fizemos tudo direitinho. D-i-r-e-i-t-i-n-h-o, não foi? Ainda podia sentir, até instantes atrás, a ansiedade daquele encontro. A lua já trilhava tranquilamente seu percurso naquele negrume forrado de estrelas, quando chegastes sobre teu cavalo branco-luzidio para tirar-me a solitude. Numa paragem recôndita dos meus devaneios, preparou-me um banquete: sorrisos, carinhos, meigos olhares, compreensão. Pôs-me a mesa, sentou-me delicadamente e apresentou-me à ilusão do mundo. Assenti à viagem com um leve brilho no olhar. Saboreamos tudo, por completo. Até pude sentir quando a fria lágrima escorrida dos olhos teus, molhou-me os seios, com contemplação. Uma noite perfeita, regada a promessas, planos e intenções. Inclusive entendi que querias entregar-te a mim e não hesitei em entregar-me a ti. Fluxo e refluxo. Cavalguei por bosques penumbrosos e teus arbustos escondiam o real. Não me preocupei porque sentia tua língua amistosa desfazer-me as elucubrações. Era só torpor. Tanto que aquele brilho ofuscava-me. Aprendi que nunca verei o lado oculta da lua, mesmo em noites de total eclipse. Contei as estrelas, inebriada que estava com as tuas emanações e o odor dos teus sentidos espraiados por entre minhas entranhas, até que em teus braços adormeci um sono pedregoso.
Um gosto de sonho amarrotado veio despertar-me logo nos primeiros raios solares. Não havia mais estrelas nem imensidão. Um vento perpetuo e de rajadas secas acorreu os quatro cantos do quarto oco. Você ao meu lado esquecido de tudo, sorriu-me um sorriso vazio e desapresentou-se irremediável. Um desejo canaz invadiu-me. Não conheci o teu olhar e resolvi sair enquanto a chuva lá fora não se precipitava catastrófica e eu poderia caminhar por outras sendas. Suas lágrimas se me reapresentaram em abundância, mas não tinha solução. Não mais. Cediço que desconhecia o homem que fora, até então, meu príncipe. Desisti dos sortilégios. O brilho feneceu e tratei de inumá-lo. Senti e também lhe chorei por uma eternidade. Chorei pelos afagos, pelos pesares e por acreditar que desta vida um dia levaríamos os milagres.
março 13, 2006
Mistério da Escuridão
Que cheira a mistério
Mistério
Que remete ao império
Depois de curvas ancadas
Sobr´elevados dispersos do poderio
Estabelecido
Pelo o reinado do sangue
Furtado
D´outras plagas
Que, se sabe, relegadas
Ao acaso do descaso com o caso
Infortúnio voluntário
Do orvalho ressecado
De gosto, na boca, do fel
Como pipas, soltas ao léu
Com tudo, mas sem nada
Porque eles queimaram aquele céu
O sofrer do povo da mordaça
Derruba o sufoco do mordaz
Que nada, quer nadar
Ou só correr, no retorno à liberdade
Da terra dizimada
É negra esta pele
E ser feliz, compele
Já que, no fundo, o balouçar da embarcação
Não o fez, nem de susto nem de surto
Padecer do coração
março 08, 2006
Um olhar
Sem escusas
Cerrou as pálpebras
Afastou-se
E preferiu não mergulhar.
Mas continuou, o abismo, lá
Dentro de si.
by Sarah Moon
março 03, 2006
Escrivinhador
Os sentidos tremiam, às vezes. Excitação. Diante do descampado, brancobservador, só percepção. Trabalho farto, rude, porém indispensável. Dobrava-se em reverências. Primeiro o oficio, e assim sabia fluir e confluir a liberdade. Eterno (re)fluxo. Arar a imaginação era, para ele, como arar a terra. Verossimilhança. Preparar o pensamento, semear idéias, adubar, regar, colher. Que a colheita sempre deveria ser abundante e diuturna, não teria como olvidar. As mãos magras, oblongadas, carregavam a calosidade na ponta dos dedos que sustinham a pena a correr pela folha em branco, lisa, ora suavemente ora com imensa sofreguidão. No deslizar do bico, a tinta era espalhada e montava letras, combinava palavras, harmonizava sentidos. Não era vã, a labuta com o texto. Dali a pouco, os frutos. O agricultor das letras trabalha a imensidão, propriedade produtiva, nunca devoluta, para o sustento do mundo. Vasta extensão sempre pronta para exploração: consciente, subconsciente.
Enquanto o sol seguia sua jornada, ciclo completo. A noite era, também, propícia à dedicação. Boas aragens inspiravam. Trabalho da alma, não tem preço. Seu galardão, sua paz. Tratava de semear com eficiência. Mudas de frases fortes para gerarem parágrafos consistentes. Latifúndio que, ao contrário de outros, servia à humanidade: todo verso, cada estrofe, cada poema, toda prosa. Desejo edaz. Nosso trabalhador, ciente está da perenidade do serviço. Prossegue. Persiste. Prospera. Profissional de arte valorosa. Não era barqueiro, sentinela, pipoqueiro, vendedor, advogado, não era nem falsário nem isento nem bandido. Escrivinhador, sim. Que não se desfaz da dor como complemento da satisfação. Inteira.
Dia e noite. Para o operário do verbo não teria tempo bom nem ruim. Os papéis precisavam ter valor. As palavras precisavam brotar, multiplicar, gerar filhos, netos, gerações. Os livros precisavam de substrato vital, de seiva bruta, prima sustentação. Parou por um instante só, o suor descia-lhe testa a baixo. As mãos recolheram a gota fria que se precipitava afoita e arremessou-a distante. Fração de segundos, eternidade para o universo. Então decidiu: mãos à obra.
fevereiro 27, 2006
Assim
by Sarah Moon
Sucumbo às perscrutações, sorridentemente
Desencontro o depois esquecido entre o ar e o infinito
Fosse meu este mundo seu, dele faria universo
Que findaria... que findaria
Em mimmmmmmmmmmm
fevereiro 22, 2006
Falso Pachola
Busquei nas profundezas a vontade que tive em tempos remotos. Minhas forças se me mostraram inúteis. Aquele era o lugar de onde não deveria sair: o fundo claustrofóbico das minhas recordações. Ela parecia uma muda, sem mover pestana se quer. Agora com toda a palma da mão apertando meu pulso. Um poder plural mantinha-me entorpecido, não sei de onde vinha, mas sabia que ela o portava.
Houvéramos deixado os lábios entreabertos, tanto ela quanto eu. Via seu bafo quente subir aos ares depois de fazer suar as pontinhas de seus dentes amarelados. Um desejo, isso. Sentia a fervura do beijo mesmo antes de concretizá-lo. Ouvia, na sutileza das suas palavras, a resposta a uma pergunta feita há minutos, talvez séculos, se bem parar para pensar. Pareceu-me relutante, uma vontade impedida, uma confusão ad libitum ela insistia em perpetuar.
- Só se você me amar. Diga que me ama!
Não compreendi de logo, mas pus-me a analisar. Em verdade, Ana Luzia era, com todos os sofismas, uma mulher frágil e dependente do amor. Só que fez questão de erigir para si uma carapaça confortável de mulher brava, que, de fato, não deixava de ser verossímil, mas que escamoteava a mais premente precisão de um algo mais sensível, se neste termo posso colocar.
- Um momento, respondi. Só lhe pedi para enamorar-se por mim, que lhe tenho grande apreço e aprecio seu jeito, sua força e toda esta determinação no tratar da vida. Até o ápice do amor há uma considerável distância e, mesmo com a mais forte das intenções, não se chega lá, assim, de prontidão.
Seus olhos ganharam uma opacidade relevante. Seus dedos desataram-se e o sangue pôde voltar a circular em minha mão. Notei mesmo que seus lábios-cor-de-cereja tremilicavam no desertar das palavras. Não era aquela a mulher pela qual nutri uma sensação delicada: parecia ferida num ponto crucial da sua pseudo-majestade. Sorriu-me algo mais que um simples desconforto. Naquela noite senti uma culpa que se agigantava geometricamente se comparada à descomunal semgracisse de Ana Luzia. Aqueci-a com outra tentativa:
- Podemos tentar?
Não me apercebi, mas ela não estava mais ali. À minha frente algo de frustrado, uma massa imediatista disforme, minada pela impossibilidade da construção tijolo-a-tijolo, um-a-um, de uma relação. Nem o sorriso amarelecido conseguiu destituir da sua fronte. Não mais tão bela nem tão mais seca. Desmaiei em mim. Naufragado neste meu jeito pachola, não pude verificar a real necessidade daquela mulher. Talvez por ser assaz fracote e viver à procura de quem seja meu oposto, talvez por desconhecer os contra-sensos quando estes, por vezes, parecem-me bastante para enxergar o mistério nos olhares perdidos das pessoas.
O silêncio nos perseguiu por data longa. Ela, minha vizinha de sala no consultório, deixou de almoçar no mesmo restaurante e mesmo de passar na copa para pegar a xícara de café que sempre me oferecia no final dos dias de muito atendimento. Longos dias de uma mudez imposta pela crueldade da falta de sentido até que soube: estava para se casar em poucos meses. Felicidades, exclamei. Como somos todos tão estranhos...
fevereiro 12, 2006
Diário dos sentidos II
03 de maio de 1950
fevereiro 07, 2006
O Real me Choca-cá-cá-cá.
Quero trocar essa cara. Quero trocar essa cara amassada e bandida. Quero foder com ela e deixá-la partida. Vou esquecer os Vermont´s, ou os Chiq´s e essa cara, essa cara de senvergonhice. Quero trocar esta cara. Quem sabe um cachorrão pega ela de jeito e troco a cara e o peito, êpa!, mas o peito tem jeito. Vou mesmo trocar é essa cara lavada, deslavada de uma só paulada. Brinca não. Quero trocar essa cara, o corpo e o coração. Por que não?Quem sabe trocando você inteira, não pare, eu, de pensar besteira.*
*(Baseado em fatos s-u-r-r-e-a-i-s)
Coisa minha.

“Todo escritor acredita na valia do que escreve. Si mostra é por vaidade. Si não mostra é por vaidade também.”
Não pude permanecer tão indiferente assim. Acho que o Mario sabia bem do que dizia. A solução qualquer, ainda não cheguei, apesar da sabedoria do mestre. Apenas um acalmar para um momento de titubeio.
Os dias seguirão.
fevereiro 05, 2006
Diálogo errado de dois amantes.
O olhar desmaiado de um mirava, na opacidade do espelho sujo de lembranças, a silhueta do outro. Ecoava no quarto um respirar franzino, findando segundo-a-segundo, des-va-ne-ci-da-men-te. Entreolharam-se de soslaio, ao acaso, dissimulando eles, para não terem de constatar, um nas feições do outro, o sabor sanguíneo da derrota do amor. Nesta hora nem o “foi bom enquanto durou” poderia remediar. Inopinadamente um grito fez as cortinas tremerem, na verdade o ultimo desabafo choroso de um dos dois, não se sabe ao certo de quem, e isso nem mais os lençóis nem as paredes nem a mobília poderiam contar-nos. Aquela tensão detinha-os, inamovíveis, até que lentamente foi possível se ouvir de lábios entreabertos o despencar de um dialogo curto, tanto quanto injusto, mas não há-de se falar em justiça quando o quesito é a dor de um amor negaceado.
Diz :
- São destes olhos luminosos que escorrem, até mim, o poder dos desejos. Assim transformo-me. Deste lume, parece-me a vida tão mais contundente e a dor forjo como posso, como possível for. Quais sentidos deveríamos procurar em nossos corações, se as forças pelas quais almejamos não existem para mais nada a não ser consumirem-nos? Se já tentamos a fuga e o voltar se nos mostrou sempre como premente solução, não há porque repetir os erros já caducos. Como o cordeiro que retorna, diuturno, à amamentação, deste leite sempre intentaremos beber, fonte primaz do viver. Mirávamos o vale da morte, até nele podermos trafegar e, num único lastimar, preferir ter ficado onde os braços são macios e a água lenta e fria, pois perigávamos perder-nos do infinito, entre constelações outras, não reprimidas a tempo, não satisfeitas de todo. Menos pretendíamos o retorno de vistas baixas que o vencer inconcusso. Mas agora este é o chão e somos, já, sementes prontas a fincar nele as emoções, os respiros, o bradar dos vossos corações, a forca do entendimento, ou o lamento sem subterfúgios. É nosso o solo e assim vamos geminar.
Responde ۞:
- Desvencilhe-se de mim, neste instante, pois sou cavalgadura e desentendo de coisas outras, se não evidentes, misteriosas.
O vento matutino entrou tranqüilamente através da janela sem nem fazer questão de agitar o ramo de flores posto sobre o criado-mudo. Saiu como entrou, discreto, nem mesmo pôde aliviar o incêndio que ensandecia os poros dos nossos ex-amantes. Por entre as flores ao lado da cama, um pequeno aracnídeo revelou-se. Com muito desprezo por tudo que por ali até então se vira, deu-se a tecer um fino fio transparente e pegajoso para nele capturar seu desjejum. Enquanto a luz acesa do abajur bege-amarelado espraiava-se em sua inutilidade diurna, vencida pela jornada extra de funcionalidade disfuncional, já que agora o quarto, outrora ocupado por nossos protagonistas, resta deserto e os raios do astro rei deixam cada canto daquele ambiente cada vez mais clareado.